quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A última vez

Foi com a esperança de que tudo iria dar certo. Seria rápido, fácil, simples, sem sofrimento. E essa seria a última vez que coisa de tal natureza aconteceria. Já estava certo disso e não mais mudaria de opinião. Dessa vez até mesmo havia um sentimento de alívio entremeio a sua decisão. Tantas vezes já planejara parar, mas era algo quase impossível. Aquele sabor, aquela pontinha de alegria sentida no final de tudo. Uma mistura de prazer e dor, aquela sensação de missão cumprida, sem falha alguma, o deixava até mesmo excitado e pronto pra outra. Não, não haveria outra vez, era a última.
Caminhava. Virou a rua dos prostíbulos, seguiu pela rua dos marginais, e ainda teria que enfrentar a rua dos miseráveis, rua da cracolândia e, por fim, a rua de sempre. Chegou. Ainda bem que tinha ido a pé, ninguém ouviria barulho do ronco do motor ao sair acelerado. Poderia muito bem sair acelerado com as próprias pernas, longas, já acostumadas a correr, dar passos ligeiros e silenciosamente se locomover. Ninguém desconfiaria, muito menos o veria por aquelas bandas.
Entrou. Ouvia gritos, lamúrias, choros, rezas, brigas, pancadas, rock, samba, barulho quase insuportável de crianças correndo. Via sangue também, já estava seco e, pelo jeito, era de dias atrás. Mas já estava acostumado, nem se importava. O que agora estava em questão era ele mesmo, o próprio, e suas atitudes. Atitudes de fracassados, decadentes, miseráveis, indolentes, solitários, com sérios problemas psicológicos. Sabia muito bem disso tudo, mas e daí? Era o único que sabia mesmo.
Encaminhou-se para o quartinho do fundo, o esquecido, nas sombras, o sombrio, o isolado de tudo e todos. Na verdade, o quartinho de sempre. Poucos eram os que se atreviam a chegar perto, viam as marcas, sentiam o cheiro, ouviam e, principalmente, imaginavam.
Adentrou-se ao recinto. Respirou fundo. Tirou o casaco preto, obscuro. Deu uma volta. Parou. Pensou. Pensou. Pensou. Pensou. Pensou. Inspirou demorada e profundamente. Pensou. Decidiu-se. A última teria sido ontem. Hoje não faria o mesmo. Estava disposto a mudar sua postura, definitivamente.
E se foi. Imperceptível voltou pelo mesmo trajeto que o levou até lá.

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